Outra espécie de felicidade
Por vezes as horas podem durar anos e os dias séculos. Deitada olhava o tecto no quarto às escuras. Ocasionalmente um conjunto de rectângulos iluminados deslizavam, alinhados lado a lado, frente e verso, como filas de peças de dominó composto para iniciar jogada. Seguiam e contornavam a esquina da parede e sumiam. O som que os acompanhava revelava mais um carro a descer ou subir a avenida.
Ela... cativa. Num quarto escuro. Só, somente, só. À semelhança de uma cela particular eclesiástica. Ou, das outras! No seu recanto escuro, divertia-se a ver as luzinhas! Ouvir o som.
Aquela janela era uma varanda para o mundo. Podia levantar-se, abrir a persiana, que o vidro aberto revelaria o espaço infinito. Não outro pôr-de-sol, porque amanhecera nublado. Mas não ia. Sentia-se bem assim. Abandonada!
Prostrada indolentemente a olhar o tecto no quarto escuro. Sem sequer imaginar ou interessar-se para onde se dirigiam os carros. Quantos iam lá dentro e qual os seus destinos? Havia de levantar-se! Não para subir a persiana e espreitar.
Iria à sua vida, como a fileira de luzinhas deslizante. E regressaria ao seu poiso, onde procuraria entreter-se um pouco. Depois... fecharia a luz! E debaixo dos cobertores ficaria de novo, talvez, a ver os carros passarem reflectidos no tecto, na escuridão total.